Francisco Camargo lança olhar clínico sobre o campo da informática

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Diretor da ABES avalia a formação dos desenvolvedores, o benchmark internacional, área jurídica e educação

Camargo“Falo em meu nome, não no da entidade na qual sou diretor”, ressalva logo de início Francisco Camargo, empresário na área de informática e diretor da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software). Com trajetória profissional e personalidade que lhe garantem respeito e permitem total liberdade de expressão, Camargo aborda nesta entrevista exclusiva a MN pontos relevantes numa área que também é sinônimo de modernidade. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP, atuou na Informática do Banco Francês e Brasileiro, mas só se encontrou plenamente na condição de empreendedor, hoje à frente da CLM. Ao contrário de muitos profissionais do setor, costuma deixar a bitola de lado, abraçando a filosofia e a política com igual ardor que sente em relação à ciência digital.

Fundada em 1986, a ABES é a mais representativa entidade do setor, com cerca de 1.580 empresas associadas – dentre elas a Macdata – ou conveniadas, distribuídas em 21 estados brasileiros, responsáveis pela geração de mais de 120 mil empregos diretos e um faturamento anual da ordem de USD 20 bilhões por ano. Tem como missão “aproximar, dialogar e unir forças, integrando governo, empresas, profissionais do setor, imprensa especializada e sociedade em geral.”

Acredita que o gap entre mão de obra qualificada e necessidade de profissionais competentes em desenvolvimento de software no Brasil tende a aumentar exponencialmente com a crescente demanda de projetos utilizando tecnologias disruptivas, como Cloud Computing, Big Data e Mobilidade?

O gap teórico, sim. Na prática, a oferta se ajusta à demanda de várias formas, atrasando-se projetos, contratando-se a análise e programação no exterior, etc..
Se de fato o gap fosse muito grande, as remunerações já teriam subido muito
e não é o que acontece.*

Como enxerga as características do mercado brasileiro de desenvolvimento de software numa perspectiva internacional?

A falta de boa formação escolar em matemática no curso secundário, a baixa qualidade das faculdades e universidades, em geral, no Brasil, comparadas com
os EUA, Europa e em algumas regiões da Índia, tornam o mercado brasileiro de software incipiente em comparação com os dessas regiões.  Embora os brasileiros sejam bastante imaginativos, no geral não têm a disciplina necessária para transformar uma ideia em um sistema. Alguém tem que escrever as milhares de linhas de código que fazem um sistema. Some-se a isso as dificuldades na aprendizagem e uso do inglês, hoje a língua franca para uma série de disciplinas.

O Brasil está perdendo seus talentos para outros países?

Evidentemente que os muito talentosos se sentem atraídos pelas condições de trabalho, salário e carreira no exterior. Por outro lado, o idioma tem sido uma barreira que bloqueia de certa forma esse êxodo.

Como empresário e representante de empresas estrangeiras no Brasil, pode explicar como funciona a integração internacional dessas tecnologias?

Na verdade, como todo conhecimento é cumulativo e, graças à internet, que hoje propaga rapidamente, pessoas mudam de emprego e de países, empresas compram empresas e isso facilita a integração do conhecimento difundido internacionalmente.

Vislumbra o Brasil entrando forte no mercado internacional com ofertas de SaaS?

Não vejo condições para tanto, pois somos deficientes em softwares de base, softwares de segurança da informação, e não conseguimos massa critica na área de softwares para gerenciamento. Temos, entretanto, um campo importante aqui, com produtores de software no Brasil nas áreas que exigem um conhecimento aprofundado das especificidades brasileiras, a área fiscal, a área legal, enfim, as que dependem da cultura brasileira.

Qual sua avaliação sobre o Marco Civil da Internet, introduzido no ano passado?

Sou, em principio, contra qualquer intervenção estatal em um ramo que está indo bem. Talvez devêssemos só acrescentar no Código Penal algumas modalidades de crime que podem ser cometidos por meio da internet. A lei é vaga e dá guarida ao arbítrio, dependendo da regulamentação. Além do que, pretende-se regulamentar um meio que é internacional. Se no Brasil existir alguma restrição quanto a serviços fornecidos nos sites brasileiros, as empresas criarão esses serviços em outros países. A única forma de funcionar seria censurando o acesso a diversos sites, o que é feito na Coreia do Norte, Cuba e China.

No âmbito jurídico, como encara a informatização do Judiciário e escritórios de advocacia?

A informatização do Judiciário é essencial para aumentar a segurança, a transparência e velocidade do Judiciário. Casos como da advogada que comia folhas de um processo para eliminar provas que incriminavam seu cliente não mais acontecerão. Destruição de papéis, incêndios em Fóruns para eliminação de processos, serão muito mais difíceis – ou muito mais fáceis, dependendo.

Pode-se dizer que as crianças e jovens brasileiros estão acompanhando o desenvolvimento da informática a contento?

Os pais e a população em geral tendem a considerar o uso da informática como conhecimento de informática. Ninguém precisou fazer curso para aprender a usar a TV, o rádio. Não é por que se sabe usar a televisão que se é especialista em TV, especialista em fornecer conteúdo para a TV, etc.. Os jovens são usuários, pobres e desinformados, do Facebook e isto não é saber Informática.

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*Caldo de cultura nacional não estimula a formação de programadores e analistas

Existe, no Brasil, a ideia de que estão faltando hoje no mercado 1,6 milhão de programadores e analistas e que o gap aumenta exponencialmente. Ninguém tem a mais vaga ideia se existe mesmo esse gap e qual sua dimensão. Explico: pela mais básica das leis da economia, a Lei da Oferta e da Procura, se fosse verdade, os salários dos analistas e programadores hoje seriam bem elevados. Seria uma carreira procurada e prestigiada. Não é o que os números e pesquisas mostram – muito pelo contrário.

 www.apinfo2.com/apinfo/informacao/p12sal-br.cfm

Alias, a nossa capacidade de convencer os jovens a seguir carreira na área nunca esteve tão baixa. Além do que, para se programar (e no fim qualquer sistema tem de ser escrito em uma linguagem, alguém tem de escrever milhares de linhas de código) deve-se conhecer uma lógica um pouco particular e profundamente baseada em matemática. Não se pode dizer que nós, brasileiros, gostemos muito de matemática e sejamos ótimos na matéria. Muito pelo contrário. Exige, além disso, a criatividade. E criatividade não é só imaginação: é imaginação disciplinada e aplicada, e disciplina não é a matéria preferida nestas plagas. Exige muitas horas de estudo, faculdades de primeira linha e domínio da língua franca de TI, o inglês.

Os americanos têm a dose certa de imaginação, conhecimento e disciplina, pois a escola americana – muito criticada pelos próprios americanos por não dar conteúdo suficiente – por outro lado não mata a imaginação dos alunos. Os chineses, japoneses e coreanos, por outro lado, com um regime escolar severo e disciplinado, matam a criatividade das crianças e até agora não têm conseguido se sobressair em informática.

Os indianos, de Bangalore, por razões que talvez tenham a ver com a genética e a cultura da região, se revelaram muito bons em matemática e lógica, transformando essa região da Índia em uma das mecas da analise e programação. Alguns países europeus têm a cultura adequada para se transformar em centros de programação e análise. (Francisco Camargo)